quarta-feira, 3 de junho de 2015

O coração de Renato


Estávamos no Chile para uma decisão que valia vaga nas quartas de final da Libertadores de 2011. Precisávamos vencer e o clima não estava dos melhores. Estávamos com alguns desfalques e sabíamos que o jogo seria muito difícil. A história que eu vou contar, no entanto, nada tem a ver com futebol.

Chegamos a Santiago na segunda e o jogo seria na quarta. Na terça à tarde, fizemos um treinamento no local da partida e alguns torcedores do Grêmio foram prestigiar. Alguns chilenos curiosos, alguns gaúchos que moravam lá e alguns torcedores que foram para ver a partida. Cerca de 10 pessoas estavam acompanhando o trabalho. No meio deles um menino com pouco mais de 10 anos e uma câmera fotográfica. O treino terminou, a maioria foi embora e o menino se aproximou e começamos a conversar.

O menino era chileno, filho de um brasileiro e fanático pelo Grêmio. Contou que a sua paixão vinha do pai e que nunca tinha tido a oportunidade de ver o Grêmio de perto. Aos poucos, o menino foi ficando emocionado e nos contou que o pai havia morrido há pouco mais de um ano e o Grêmio o aproximava do seu pai.

Naturalmente ficamos muito sensibilizados com o carinho do menino. Foi aí que chegou o técnico Renato. O menino disse, aos prantos, olhando fixamente para o treinador:

- Pai, ele existe mesmo, disse o menino, como se estivesse falando com a alma do próprio pai.

Renato riu, brincou, fez a alegria do menino, que ficou muito feliz. Todos já estavam no ônibus e somente eu, Renato, Vicente, Simões e o menino seguíamos no campo conversando. O menino, então, nos disse que a câmera dele havia ficado sem bateria e que não tinha como registrar aquele momento. Além disso, não havíamos dado nenhuma lembrança do clube para aquele anjo que apareceu naquele final de tarde no nosso treino. Nos despedimos. O menino, com um sorriso aberto, saiu caminhando pelos campos da universidade e nós fomos para o ônibus.

O ônibus demorou ainda alguns minutos para sair e nós quatro não trocamos uma palavra sequer, como se estivéssemos adormecidos pela história. O ônibus manobrou e começou a sair do complexo. Foi quando Renato deu um grito mandando o motorista parar o ônibus.

- Motora, para aí, para aí. Abre a porta, por favor.

O motorista abriu a porta e o Renato desceu correndo. Ele havia visto o menino, sozinho, voltando para a sua casa com a câmera sem bateria e sem nenhuma lembrança daquele momento. Foi então que ele tirou a própria camisa e deu para o menino. Esse guri pulava e abraçava o nosso treinador como se tivesse ganho um campeonato mundial.

Renato voltou para o ônibus com um sorriso aliviado no rosto.

Perdemos a partida no dia seguinte e fomos eliminados, mas o futebol me mostrou que pode ser muito maior do que uma derrota ou uma vitória e Renato, o ídolo eterno de todos os gremistas, mostrou o tamanho do seu coração.



César Cidade Dias
Ex-Conselheiro e ex-Diretor de Futebol do
Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense
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segunda-feira, 18 de maio de 2015

E o Grêmio se repete


É evidente que eu acho o lateral direito Matias Rodriguez insuficiente para o Grêmio. Também me parece óbvio que o Grêmio errou em várias contratações, principalmente (este ano) o centroavante que iria "chegar e jogar". Mas quem quer progredir como o Grêmio pretende, precisa saber que terá que passar por algumas tempestades neste ano de readequação.

As fortes críticas que o clube tem recebido, algumas pertinentes, precisam ser contextualizadas. O Grêmio está sim mudando a sua rotina. Mudando a forma de trabalhar. Nos últimos anos, eu diria 15 anos, o Grêmio trabalhou para contratar e contratar. Fez contratações vultosas e montou times de seis em seis meses. Os seus dirigentes do futebol não resistiam mais do que esse período. Apenas dois duraram mais tempo. E esses dois dirigentes também trocaram de time de seis em seis meses. Assim foi o Grêmio nestes últimos 15 anos.

E hoje a crítica é exatamente essa. A crítica pedindo mudanças radicais é a mesma que diz que o Grêmio não ganha nada há 15 anos. As pessoas pedem para se fazer exatamente o que foi feito nestes últimos 15 anos. "Vamos mudar tudo, limpar a área".

Repetindo, com todo o respeito, eu acho que o Grêmio PRECISA se reforçar. Precisamos, no mínimo, de dois ou três nomes com certa urgência, mas, por favor, não vamos fazer terra arrasada mais uma vez. Trocar vários iguais por outros iguais, trocar treinador e dirigentes por treinador e dirigentes iguais. E isso apenas para aliviar o anseio de quem não vive o clube no dia a dia.

O mais triste disso tudo é que o Grêmio já piorou em relação ao Gauchão. A histeria já está transformando o ambiente, castigando as pessoas, exatamente como aconteceu nos últimos 15 anos. Hoje o Grêmio deve fazer o mesmo que fez nos últimos anos. Mudar. Criar os tais fatos novos. E como uma droga, irá anestesiar os críticos, aliviar os ansiosos, alimentar os que querem sangue.

O Grêmio tem um número grande de bons dirigentes, mas hoje tem muitos que são incendiários, que gostam de confusão, que instigam nas redes sociais, que são covardes e que adoram ver o circo pegando fogo.

Torço para que os fatos novos sejam apenas para aliviar o ambiente e que o Grêmio recupere a calma. Ficaria muito desapontado, no entanto, se largássemos o projeto de austeridade e o caminho para um clube que utiliza as categorias de base como conceito de equipe. Torço para que o Grêmio não faça terra arrasada. Temos boas novidades, bons jogadores. Não falta muito para termos um time que irá gerar bons frutos em um futuro não tão distante.
 


César Cidade Dias
Ex-Conselheiro e ex-Diretor de Futebol do
Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense
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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Continuidade sim, inércia nunca!


O Grêmio fez um primeiro tempo muito ruim contra o Inter e foi derrotado no GreNal deste domingo no Beira Rio, deixando escapar um título que o clube e, principalmente, a torcida precisavam muito. Dois ou três erros técnicos e foi-se a estratégia programada para o jogo. Futebol é assim.

Gostei muito de alguns jogadores e acho que precisamos continuar insistindo na política propagada pelo presidente Romildo Bolzan. Um clube mais responsável nas suas finanças e com um planejamento que mantenha a continuidade no futebol me parece o caminho mais acertado.

No nosso pior momento do Campeonato Gaúcho, quando fomos derrotados, em sequencia, dentro de casa, para clubes do interior, me manifestei publicamente em defesa do que estava sendo feito pelos dirigentes tricolores. Entendia que o clube estava trabalhando sério e merecia o nosso apoio.

Ontem, no entanto, não gostei nada do tom de conformidade com que foi tratada a derrota no Beira Rio. Espero, sinceramente, que tenha sido apenas um discurso e não o verdadeiro entendimento.

Vamos aos fatos.

Alguns jogadores, em especial o lateral direito e o centroavante, estão muito abaixo do tamanho mínimo exigido pelo Grêmio. Não se pode querer ganhar com eles. Os erros de avaliação nestes dois casos nos custaram caro. Política de austeridade não quer dizer mediocridade. Se quer gastar pouco, que se gaste com atletas identificados e feitos em casa. Tínhamos três centroavantes no grupo e não precisávamos contratar um "barato" e insuficiente, vindo de fora. Erro constrangedor. Quanto ao lateral direito, imagino que o tivemos um pouco de azar porque estava evidente que Felipão usaria o Ramiro ali, de tão ineficientes que se mostraram o Matias e o Galhardo. O que deixa claro outro erro grosseiro de avaliação (no caso, avaliações).

Outro fator que me chateou foi o Grêmio não ter falado da arbitragem trágica do Sr. Leandro Vuaden. Conhecido por deixar o jogo andar, Vuaden passou todo o segundo tempo picotando o jogo, que deve ter tido 25% do tempo de bola rolando. Além disso, não expulsou o Valdívia em falta pior do que a cometida pelo Rodolfo no final do jogo, que culminou com a sua expulsão. Muito ruim. O Grêmio não pode silenciar quanto a isso.

As derrotas importantes e a dificuldade que o clube enfrenta para ganhar títulos estão anestesiando todos os gremistas, que claramente querem acreditar em algo. Os gremistas, de um modo geral, parecem ver em Romildo uma luz no fim do túnel, principalmente pela sua maneira transparente de tratar as coisas no Grêmio. Eu acredito muito nas suas ideias, mas acho que é preciso tocar em algumas feridas urgentemente, sob pena de ficarmos sempre esperando pelo inacreditável.

O Grêmio não pode confundir continuidade com inércia!
 

César Cidade Dias
Ex-Conselheiro e ex-Diretor de Futebol do
Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense
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quinta-feira, 16 de abril de 2015

Histórias de futebol: Dormindo no hall do hotel


Oitavas de final da Taça São Paulo. O Grêmio havia garantido classificação e estávamos todos eufóricos. Os jogadores, já concentrados há mais de 20 dias, me pediram, então, uma pequena folga até o final do dia.

Por volta das 17h de um domingo (havíamos vencido às 11h) liberei os atletas com a condição de que chegariam ao hotel, todos, até a meia noite. Fiquei no hotel e como todo dirigente aprendiz, já comecei a imaginar eu tendo que buscar a gurizada na noite em plena Ribeirão Preto. Sou ansioso, confesso.

A noite chegou e nada de nenhum jogador. Por volta das 22h, aos poucos, os atletas foram chegando. A meia noite em ponto, eu, pessoalmente, fechei a porta do hotel. Esperei alguns minutos, e, da recepção, comecei a ligar para os quartos. Os jogadores estavam em quartos triplos, todos no mesmo andar. Fui falando com os atletas até que, em um dos quartos, não atenderam. Esperei um pouco, liguei novamente e nada de atenderem. Fui conferir no andar dos atletas e nada dos três.

 Voltei à recepção e armei uma estratégia para pegar os "sumidos". Peguei um sofá do pequeno hotel em Ribeirão Preto e coloquei exatamente na frente da porta de entrada. Ou seja, para entrar no hotel, teriam que passar por cima do sofá onde eu estaria dormindo.

Fiquei ali, tentando dormir por cerca de uma hora. Lembro sempre que, naquela época, dirigentes faziam múltiplas funções. De segurança a "psicólogo", passando por logística, os dirigentes se viravam. Voltando ao assunto. Por volta da 1h da manhã, escuto um bando rindo sem parar de dentro do hall do hotel, olhando para a cena patética de um dirigente e o seu sofá grudado na porta. Logo vi que eles haviam me pregado uma pegadinha. Assumi o mico, olhei brabo (chorando de rir por dentro) para todos e fui para o meu quarto.

No café todos estavam lá e seguiam brincando com a minha cara. O principal protagonista sentou comigo e me contou. Quando comecei as ligações estavam praticamente todos em um quarto, conversando, e resolveram me "sacanear" deixando um quarto "sem ninguém". Não imaginaram, no entanto, que a minha atitude seria de dormir no hall do hotel, em um sofá grudado na porta.

Demos risada e, principalmente, ganhamos o jogo na quarta-feira.

Fiz grandes amigos nesta época.
 
César Cidade Dias
Ex-Conselheiro e ex-Diretor de Futebol do
Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense
 
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