sábado, 8 de março de 2014

Os fritadores de bolinho

Coluna do Carlos Josias: Diretor Jurídico do Grêmio 93/98, Conselheiro 94/2010 e Vice-Presidente 2005/07. Josias @cajosias é colunista do Grêmio 100mil  www.facebook.com/cjosias.oliveira












Tive uma infância modesta, porém muito bem instruída, educada e sobretudo humorada. Meu pai, descendente de portugueses, era uma pessoa amável, afável, de um humor refinado, íntegra e trabalhadora - ferroviário - de quem muito me orgulho, e que contrastava um pouco com a mãe - espanhola/castelhana - costureira de uma fábrica suíça, de personalidade dura, forte que beirava ao autoritarismo, não aparentava delicadeza na expressão, e conduzia os filhos com mão de ferro e impositiva, mas carinhosa e mais do que presente, não economiza as palavras, dizia o que sentia mesmo que isto lhe custasse alguma antipatia: pensava, e dizia, simples como era, grossa quando preciso, quando necessário, gentil se fosse o caso. Politicamente incorreta, não evitava o verbo se a ocasião exigia. Típica madre comandante - mas quem mandava mesmo, de verdade, com toda a sublime postura que mantinha, era o velho. Meu querido velho. Durante toda a existência de ambos presenciei uma única vez meu pai dizer um ´denominado` nome feio: merda, para espantar uma dor que lhe corroía o esqueleto e lhe roubou a vida. Tempos depois foi a vez da ´madre` partir. Naqueles tempos, ninguém mandava tomar aqui ou ali, menos ainda mandava este ou aquele para um lugar chulo. No máximo mandavam, pai e mãe, alguém ´lamber sabão`, ou no extremo, fritar bolinho. Penso que honrei a formação que tive, cresci, fui indo na vida, e o pouco que conquistei devo à perseverança e à orientação que me deram, e antes do passamento ambos tiveram a oportunidade de me ver ir vencendo e vencer, aos trancos e barrancos, talvez, na vida que planejaram para mim e meus irmãos - todos deram certo. O maior ensinamento que tive deles: não levar desaforo para casa. Talvez tenha exagerado na lição, e quem sabe tenha avançado um pouco - ou demasiadamente que seja - na cartilha. Por isto, por este exagero que é meu, não deles, é possível que vez que outra seja intempestivo, impulsivo ou tantos outros adjetivos com os quais me deparo, vez que outra, num ou noutro enfrentamento. Josias é o nome que imerecidamente, claro, me deram, base no rei mais jovem de Israel que, segundo as escrituras, foi um verdadeiro homem de centro, aos oito anos começou a reinar, e reinou trinta e um anos em Jerusalém sem se desviar nem para a direita nem para a esquerda. Quem sabe por isto não tenho ideologia das pontas, sou de centro, e adoro centroavantes, e pontas só no jogo ! Foi por um deles, centroavante, Alcindo, que me tornei Gremista. O Bugre foi emprestado pelo Grêmio na década de 60 ao SC RIO GRANDE, o mais velho, padrinho de fundação do tricolor da capital na sua fundação, 1903, e quem meu pai como atleta defendeu - cresci misturado ao meio deste esporte. O bugre se tornou goleador do campeonato gaúcho, no período, e, óbvio, no final do ano o Grêmio repatriou o jovem marcador de gols para que ele se consagrasse aqui, no clube de Lara. Quando Alcindo veio para capital trouxe com ele meu coração. Poucos meses depois, sofrido pela filha que veio morar na Porto Alegre, meu pai desembarcou comigo, minha mãe, mala e cuia, para ficar perto da menina que ele amava e recém casara: foi a única vez que vi meu pai chorar, quando ela casou. Aqui me tornei cidadão da cidade, e acabei conselheiro, dirigente e Vice Presidente do clube que amo, e sem modéstia fui exitoso nas funções que exerci. Diretor 93/98 e VP 2005/2007, quem conhece a história sabe o que se passou neste lapso de tempo no exercício dos cargos e o que ocorreu no intervalo. Conselheiro 20 anos. Contei esta história da conversão ao Gremismo ao bugrão num jantar farroupilha, e ele com a humildade que carrega, encheu os olhos de água comovido pela conquista, quando eu é que tinha que chorar por estar tão perto dele. Tão fanático pelo futebol do moço, ainda menino, fui ver seu casamento na Igreja do Pão dos Pobres, ali, na turma do gargarejo, onde se postavam Volmir, entre tantos craques da época.

Era uma época romântica em que a entrega se dava por amor, não por fortuna. Uma quase inocente temporada. O máximo que se chamava era o Juiz de Ladrão. Os tempos foram se alterando, e de ladrão o juiz passou a ser filho desta ou daquela. No tempo da maldade eu nem era nascido ? Não, o tempo da maldade não era aquele. Hoje evoluímos tanto no palavreado que o tempo já não é mais de maldade, é de crueldade. Mas a inocência da ocasião não impedia que vez que outra um Mário Severo ( árbitro famoso naquelas priscas eras ) saísse correndo de dentro do gramado para o vestiário com a torcida atrás dele, invadindo o campo, querendo fazer coro para tamborim. Hoje já não se manda mais lamber sabão, se manda para tudo quanto é lado. E pior do que se mandar de dentro dos Estádios, humildes de outrora, luxuosos da atualidade, pragas contidas aos homens do campo, são as pechas que ecoam desde as cabines de rádio e tv, quando se atiram sobre atletas pejorativos adjetivos do tipo pernas de pau, burros, aos treinadores, e insinuações de desonestidades de dirigentes e se espalham não mais pelas arquibancadas mas pelas cadeiras confortáveis. Este descontrole não tem origem, senhores, no povo que habitava os parques de futebol ao tempo em que amanheciam à frente das bilheterias para poderem assistir a um GRENAL nos Eucaliptos ou no Olímpico, munidos de uma marmita, um cigarro e uma goiabada cascão. Se impõe uma reflexão sobre isto que não seja hipócrita. De onde nasce esta rivalidade agressiva que transforma torcidas em grupos violentos ? Enquanto se pensar que isto vem de baixo, e não houver disposição de se debruçar sobre a história para que se faça um ´mea culpa` na parte de cima - na qual também me incluo - a cada jogo o risco aumenta, porque é muito cômodo empurrar para baixo a responsabilidade pelo que se passa no fim da pirâmide.

Querem saber ? Estou ficando cansado do vtnc. E cada vez que escuto uma opinião errônea e desinformada sobre esta realidade me questiono o que diriam meu pai e minha mãe sobre isto. E sei o que eles iriam dizer:

VÃO FRITAR BOLINHOS.

Eu já comprei a fritadeira.

Saudações tricolores !

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