terça-feira, 30 de agosto de 2011

FUTEBOL DO GRÊMIO: 15 ANOS DE ATRASO

Quando um sócio pretende fazer muito mais pelo GRÊMIO do que apenas pagar a sua mensalidade, comprar o seu ingresso, consumir os seus produtos, cornetar os rivais, acompanhar a mídia e debater futebol como se faz em um boteco: é necessário estudar, ler, conhecer quem está e já esteve na gestão do clube, comparar com agremiações de outras cidades, estados e países e procurar dar o melhor que a sua especialidade profissional pode disponibilizar ao clube. ;)

Pois bem: participei do II Seminário de Futebol oferecido pelo Grêmio e pela ESEF/UFRGS. Na edição inicial, em 2010, confesso ter pensado que o evento era mais direcionado a profissionais de Educação Física. Desta vez, senti-me especialmente atraído pela origem dos seminaristas.

O que há de mais maravilhoso no futebol?! O que precisamos saber desfrutar enquanto estiver funcionando? O que eu nunca vi igual em mais de 38 anos de vida? A formação de jogadores e a gestão do venerável FC Barcelona. Pois lá estavam Toni Lima, ex-reserva de Pep Guardiola na base blaugrana e gestor de prospecção da "pequena" Internazionale, atual campeã do mundo FIFA; e Jordi Melero, de mesmo cargo no próprio Barça.

Um degrau abaixo, mas também fascinante, é o pensamento técnico-tático português, que revelou ao mundo dois dos melhores técnicos do planeta, multicampeões ainda jovens: José Mourinho e André Villas-Bôas. Pra falar sobre essa incrível metodologia chamada de periodização tática, veio o jovem e competentíssimo Nuno Amieiro, ex-técnico adjunto do FC Porto.

O ponto alto foi a didática e perfeitamente bem articulada exposição do prof. João Paulo Medina, justamente venerado como o maior consultor de gestão em futebol do país. Diria mais: considero-o o melhor do hemisfério sul do planeta. Medina foi reverenciado pelos quatro conselheiros e funcionários do T.A. por terem levado o seu clube a uma condição top de linha na América do Sul. Não por acaso, o outro grande clube brasileiro da atualidade, o São Paulo, também contou com a consultoria deste brilhante profissional.

No total, foram 20h de encontro e mais de 20 páginas de anotações. Mais adiante, entrarei em contato com a organização para obter o DVD com os debates e também os slides das apresentações dos palestrantes, pois há MUITA informação pra ser revista, ampliada, atualizada, adaptada, copiada e criticada. Porém, adianto que as críticas são escassas, em função do ineditismo e do alto grau de reflexão, que me levou a concluir o seguinte:

– No Brasil, os jogadores se estouram porque fazem muita musculação e repetem muito pouco os movimentos e a intensidade dos jogos nos treinos: segundo Nuno Amieiro, a periodização tática consiste em treinar sempre em o campo reduzido, sem a necessidade de ser 11x11 o tempo inteiro. Ao mesmo tempo, velocidade, impulsão, força, arranque, coordenação motora, motricidade fina, visão periférica, etc. podem ser treinados tranquilamente sem nenhuma perda de força.

É tudo uma questão de cultura: Afinal de contas, essa técnica, difundida pelos profs. Vitor Frade e Júlio Garganta, prega que não há compartimentos, divisões e nem funções estanques mesmo com a necessidade da especialização e com o reconhecimento do dom e da preferência de cada um. Consequentemente, os jogadores tem mais vontade de trabalhar; as relações pessoais entre si, da e para com a comissão técnica tendem a melhorar e todos entendem as suas respectivas participações sempre como complementares e SOLIDÁRIAS, pois todos tem que marcar, todos tem que saber jogar, ninguém pode ficar parado e a ocupação do melhor espaço depende não de ficar cada um no seu quintalzinho, mas, sim, de que o entendimento da relação do próprio corpo com a bola, com o espaço ao redor, com o espaço próximo aos companheiros e aos adversários;

- Medina listou nada mais nada menos do que 54 profissões direta ou indiretamente ligadas ao futebol. Ele ressalta que a vaidade, o amadorismo, a politicagem, a ignorância e o extremo preconceito da esmagadora maioria dos dirigentes do futebol brasileiro impede a plena utilização das Ciências Humanas aplicadas ao futebol. Medina falou sobre a importância de antropólogos, sociólogos, psicólogos, historiadores, especialistas em religião e misticismo, a fim de que todo o ambiente que cerca o futebol faça com que se possa tirar o melhor de cada um dos envolvidos;

- Jordi Melero falou sobre quais as características e qualidades que o Barcelona busca no mundo inteiro para cada posição. Interessante saber que o melhor time do mundo é o que menos se utiliza de jogadas aéreas, procura fazer o jogo girar rapidamente e o drible é o último recurso. Tudo isso porque o mantra do clube é manter a posse de bola o máximo de tempo possível, pressionando no campo do adversário. Em cada categoria de base, já há sucessores com as mesmíssimas características dos profissionais das respectivas posições. Inclusive o Barcelona B é tido como ainda mais espetacular do que o A - são jogadores que, muito em breve, irão trabalhar com Pep Guardiola;

- Toni Lima disse que o roupeiro ganha pontos. A assessoria de imprensa precisa ser um setor-chave no clube, para instruir jogadores, comissão técnica e dirigentes a se manifestarem por si e pela instituição. Isso ganha pontos. E que o bom relacionamento é tudo. Por exemplo: um time que tem dois jogadores que brigaram por causa de uma mulher, da disputa pelo título pode, em poucas semanas, mudar de objetivo para a fuga do rebaixamento. O gestor precisa estar 24/7 ligado. Ele não é empresário, ele não é dirigente com cargo político, ele não é técnico, ele não é preparador físico e ele não é responsável pelas viagens e pela produção. Ele precisa ser o provedor de recursos direto e o cara que resolve os pepinos para que o técnico e os jogadores se preocupem apenas em jogar bola.

Haveria muito mais por dizer. Fico por aqui, pois este post já está bastante longo. Como conclusão, fiquei deprimido ao perceber que o mesmo clube capaz de proporcionar um evento tão engrandecedor permanece impedindo seus funcionários de implementar um modelo de trabalho com a cara do Grêmio e adaptado à nossa realidade, porém pegando um pouco dos maiores exemplos disponíveis hoje no planeta bola.

Por fim, o rescaldo dos participantes: 1) tem gente que se inscreveu e sequer pôs o pé no salão nobre Patrono Fernando Kroeff; 2) Consegui reconhecer apenas cinco conselheiros. Diga-se de passagem, por várias razões, não puderam estar todo o tempo presentes; 3) Alguns poucos técnicos, auxiliares técnicos, gestores e preparadores do próprio clube com cargos menos vistosos foram os únicos gremistas 100% assíduos. O clube pecou feio por não ter liberado Paulo Pelaipe, Celso Roth, Paulo Paixão, Andrey Lopes, Daniel Azambuja e vários outros de seus profissionais lotados em postos-chave para que pudessem ouvir e opinar perante a comunidade gremista; 4) Surpreendentemente, dos mais de 300 participantes que lotaram o salão nobre e a sala de espera com telão, não mais do que 15 eram jornalistas (nenhum que eu conhecesse), havia cerca de 10 representantes de clubes da Série A, mais uns 15 da B e outros 15 da C, uns 20 do interior, vários técnicos de escolinhas de futebol particulares de todo o país, mas poucos estudantes de Educação Física.

O evento foi um sucesso: quem não foi, não sabe o que perdeu. Quem foi, certamente aprendeu uma enormidade.

Foto: http://www.flickr.com/photos/heliopaz/6090781126/in/set-72157627416453225/


@chegremista @heliopaz Hélio Paz
Share |